Apesar de toda a cobertura da mídia - canais televisivos, jornais, sites, blogs, redes sociais - ainda não absorvi o que aconteceu.
A vontade é de chorar, chorar por tudo, obviamente pelos mortos, pelos feridos em estado grave, por todos aqueles que passaram pelo momento de pânico e agora gozam da companhia da família, pelos parentes de todos, pelas vidas que tinham ainda um bom pedaço de chão a percorrer, pelos amigos, pelo silêncio nas salas de aula, pela falta... falta de sorrisos, falta de abraços, falta.
A cada matéria que vejo, leio, escuto, mais um pequeno detalhe vai se unindo ao todo, e mais insuportável fica pensar sobre o assunto.
Culpados. Procuram-se os culpados.
Quer saber o que penso?
Mas se quiser mesmo, peço a gentileza de acompanhar até o fim o texto. O que não suporto é quando se retira um trecho que está muito bem inserido no todo.
TODOS SÃO CULPADOS E TODOS SÃO VÍTIMAS DA PRÓPRIA IGNORÂNCIA.
De uma forma ou de outra. Proprietário da casa noturna, funcionários, o Corpo de Bombeiros, cantores e profissionais do entretenimento, governo municipal, estadual e federal, poder judiciário, o público.
Não se preocupem, vou listar o porquê dessa minha acusação, onde me coloco também, como profissional e como ser humano.
1. Proprietário da casa noturna: a vontade e a ganância de ganhar o máximo que se pode com pouco esforço é o mote do mundo capitalista em que vivemos. Todos, se já não fizeram isso, um dia farão algo para isto. Lotar um espaço com mais do que a capacidade "permitida"é inconsequência. E ignorância, pensar que não vai acontecer nada. Uma multidão é capaz de tudo e pode ser incontrolável. Só quando você tem o controle psicológico sobre uma civilização se consegue dominá-la sem que esta pense que pode se rebelar, afinal são milhares contra poucos.
2. Funcionários: a falta de preparo para lidar com diversas situações. Não que a culpa seja diretamente deles, na maior parte das vezes a boa vontade existe mas a culpa é indireta. Recai sobre eles, tanto que a mídia por diversas vezes mencionou o fato deles terem bloqueado a saída, etc. Afinal, não é todo dia que uma danceteria pega fogo, mas é todo dia que alguém vai tentar sair sem pagar. Aposto. O contato direto com o público exige um mínimo de preparo. O segurança que foi tentar apagar o fogo com o extintor e este não funcionou, provavelmente foi uma vítima do sistema. Afinal, se você não se aventurou pegando um extintor na sua vida, mesmo se proibido, para brincar com ele, quando é que você teria tido a oportunidade de saber como o mesmo funciona?
3. O Corpo de Bombeiros: antes de jogar a pedra, leia com atenção o que vai ser escrito a seguir. HONRA AO MÉRITO ÀQUELES QUE FORAM SOCORRER AS VÍTIMAS. Os bombeiros que lá estiveram antes de mais nada são seres humanos, com famílias, e com certeza nenhum deles deixou de se sensibilizar como um público em geral, mas antes de mais nada fizeram o papel deles. A minha crítica cabe às exigências e consequentes fiscalizações. O que custa preparar uma legislação, antes de mais nada fácil de ser entendida e portanto aplicada, que pense em absolutamente TODAS as situações? Não adianta agora olhar para o que foi feito nos Estados Unidos 10 anos atrás. O uso do sprinkler deveria ser obrigatório em todos os tipos de construções onde se abriga uma multidão ao mesmo tempo. Experiência própria: em Estocolmo, Suécia, enquanto eu estava em uma danceteria me divertindo, o sistema de sprinklers foi acionado porque uma aniversariante acendeu um isqueiro. Simples: todo mundo para fora do lugar. O pessoal da casa noturna? Preparados, orientando a todos a saída. Menos mal que tudo não passou de um excesso de prevenção. Os bombeiros chegaram, analisaram todo o lugar e depois disso, terminou a festa, óbvio Por que não podemos ter esse tipo de comportamento?
4. Cantores e profissionais de entretenimento: quantos destes se preocupam com o fato de que estão cantando para uma multidão e que qualquer ato impensado pode gerar uma tragédia como esta? Quem inventou que está na moda show pirotécnico e quando vê algum profissional da área passa a imitar pensando que é tudo muito simples? Faísca não gera fogo? Ah, gera, mas com os outros... Com você não. Mais um pensamento que precisamos mudar. Comigo também pode virar fogo, chamas, labaredas e fumaça.
5. Governos: Municipal, Estadual e Federal: está na hora de todos sentarem e pensarem com responsabilidade no cargo que eles ocupam. Administrar uma nação, seja cidade, estado ou país não é só esperar o pior e depois que isso acontecer dar entrevistas. PREVENÇÃO e FISCALIZAÇÃO somados à SERIEDADE e COMPROMETIMENTO do cargo que estão exercendo são as palavras-chave. Quantas normas, leis e recomendações existem, algumas a níveis nacionais, outras regionais, mas são coesas? Elas dialogam entre si? Se complementam? Existe uma ideia para quaisquer das perguntas anteriores? Como arquiteta posso dizer que muitas vezes falta seriedade no momento de se analisar um Projeto de Arquitetura. Desde uma legislação mal escrita, tantas vezes para confundir, quanto um controle com benefícios a uns enquanto outros... Se você tem um emprego público, antes de mais nada esqueça favorecimentos pessoais ou familiares, esqueça o indivíduo que você é, com desavenças para com alguns, FAÇA O SEU TRABALHO. Difícil? Parece... Mas depois, encha os olhos de lágrimas, não duvido que elas não sejam verdadeiras, às vezes o lado humano prevalece, fale palavras diplomáticas mas sobretudo, FAÇA, HAJA! O povo depende de você.
6. Poder Judiciário: aqui peca pela falta de COBRANÇA. Admito, não conheço todos os passos e entraves que possam existir entre os Poderes. Mas se estamos falando de justiça, se deve COBRAR leis mais completas, acessíveis, se deve COBRAR um envolvimento honesto e ainda mais se deve JULGAR com imparcialidade, mas se deve ser justo, com todos. No momento em que isso não acontece, se gera desconfiança, vingança e outros tantos sentimentos e ressentimentos que terão uma consequência.
7. O público: sim, eu sei, muitos morreram, muitos outros estão ainda hospitalizados e todos estão traumatizados com o acontecido. Não são todos que se encaixam na crítica que estou por fazer. A maior delas é a leviandade. Leviandade de ir a um lugar lotado - é festa, o que eu estou falando afinal? - e não se informar sobre possíveis saídas de emergência. Afinal, eu, você, quem vai a uma danceteria vai para se divertir, não para pensar em tragédias. A LEVIANDADE VEM DA EDUCAÇÃO. Aprendemos a ser assim porque todos são assim e assim parece ser o correto. Uma jovem que foi entrevistada mencionou que ela sempre se lembra do pai quando este pede para olhar onde fica a saída de emergência. Quantos pais dão este conselho? E quantos filhos entendem a gravidade e importância que está por trás desse "ingênuo" pedido? MEA CULPA. Muitas vezes eu sou leviana sim, não posso dizer que toda hora olho ao redor para pensar: para onde vou se o mundo acabar. Mas talvez porque sou arquiteta, pensamentos e observações acontecem. Principalmente do tipo: essa estrutura aguenta todo esse povo pulando (quando começa a tremer o lugar, olho desesperadamente ao redor procurando informações sobre a estrutura, vigas e pilares, onde vocês estão?). E o público em si, que desesperado em salvar a própria pele, passam por cima de outros caídos? O instinto de sobrevivência é maior, com certeza, tanto que esquecemos que existem outros iguais a nós sendo massacrados, pisoteados, mais desesperados que aqueles que correm, porque eles sabem que uma vez caídos por terra, a chance de sobreviver é nula. A não ser que algum herói, sim, HERÓI, porque deixa o lado animal do instinto de lado, volte para salvar outros que não conseguem mais sair por conta própria. Este herói é sim um ser superior. Alguns deles não resistiram...
Fica a dor. O vazio. A falta.
E pior de tudo, a sensação de que não era necessária esta tragédia.
Conclusões:
O ser humano não está preparado psicologicamente para tragédias. FATO.
Muito menos para se preparar para o pior.
Algumas civilizações um pouco mais, outras menos mas ninguém quer perder tempo com preocupações "desnecessárias" ou hipóteses praticamente improváveis.
Esquecem que muitas vezes que improvável não quer dizer impossível.
Preguiça. Inimiga número 1 da ignorância. Se você não sabe, procure se informar. Quem perde tempo o tempo todo buscando isso? Dá para contar nos dedos.
Não esperar uma tragédia para então rever leis, normas e obrigações.
E que estas sejam severamente fiscalizadas.
Esperanças:
Que todos nós sejamos melhores. Eu, você, todo mundo.
Que este momento sirva para reflexão.
E que não fique só na reflexão. Precisamos externar isto.
Respeitar o próximo.
ABSORVER. PENSAR. ELABORAR. AGIR. FAZER.
Nesta ordem: agir sem pensar só vai tapar o buraco. Como sempre foi feito.
E que o sentimento esteja em todas as etapas e em todos os momentos.
Temos tantos neurônios, coloquemo-os a trabalhar, mas que seja para o BEM de todos!